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terça-feira, 17 de maio de 2011

Metamorfose

Por Ana Maria Ribas

De quantas mortes é feita a vida? Eu creio que “aos homens é dado morrer uma vez só e depois disso, o juízo”. Mas antes que cheguemos ao instante final denominado morte física, antes que o corpo separe-se da alma e do espírito, de quantas mortes foi feita a vida? Nisso eu quero pensar. Quero pensar nas pequenas mortes de cada dia. Quero pensar nas células do corpo, que por se renovarem periodicamente, estão sempre descartando as antigas. Quero pensar nos sonhos que acalentamos, e que um dia, foram sepultados antes mesmo de virem à existência. Quero pensar nos cenários que compuseram a nossa história e que saíram de cena. Houve um dia em que apagamos a luz daquela casa pela última vez. Houve um momento em que o nosso cotidiano se desfez. Houve um instante em que a cisão foi inevitável. Houve uma hora em que a paisagem mudou. Houve um tempo em que o amor que juramos eterno foi sacrificado. Houve um ano em que o caminho conhecido não pode mais ser percorrido. Pequenas mortes que aconteceram ao longo da vida que é viva, que flui, que é dinâmica, que segue o seu curso como o rio segue para o mar. Pequenas mortes que se interpuseram em nosso caminho e das quais, muitas vezes, nem nos damos conta a não ser quando tudo se constitui num grande passado. A isso os esotéricos dão o nome de ciclos da vida. Para eles, alguma coisa cármica se cumpre no momento em que a vida se renova. Para nós, alguma coisa peremptória aconteceu, mas só percebemos quando tudo já se cumpriu, quando fatias da realidade foram tombadas e desmembradas de nós.

Sem os ciclos que se completam de tempos em tempos, não avançaríamos, não haveria evolução e nem aprendizado. O que nos faz seres à imagem e semelhança de um Deus que nunca muda, paradoxalmente, é a nossa capacidade de transformação e de incessante busca por valores definitivos. O que nos leva a descartar os provisórios. Não importa muito que, na maior parte das vezes, troquemos valores provisórios por outros valores igualmente provisórios. O que importa é a sede que impulsiona a busca e impede a estagnação. Enquanto há busca, há confronto. Enquanto há confronto, há renovação. Enquanto há renovação, há vida espiritual sendo lapidada até que todos cheguemos à unidade da fé, à medida da plenitude do conhecimento de Cristo.

O que caracteriza um ser espiritual é que a sua vida é formada por ciclos que morrem para dar lugar a outros ciclos que renascem.

Mas nem todos são espirituais. Entre a humanidade existem aqueles que parecem estar totalmente satisfeitos com o mundo. Não há nada mais terrível do que uma pessoa plenamente satisfeita com o que o mundo lhe oferece. São supérfluas, vazias, ocas, sem conteúdo. São cidadãs desta terra e dela usufruem até o caroço. Pertencem a esse sistema mundano e são parte integrante dele, como o são o pó e a cinza da qual foram feitas.

A característica dessas pessoas é a acomodação espiritual. Adquirem um conjunto de dogmas e de crenças herdadas pela tradição e deles não se separam até o último suspiro. Não investigam, não indagam, não perquirem, não ousam colocar em cheque as teorias prontas que lhes foram incutidas. Torcem para o mesmo time, até quando o time já não existe mais. Cultuam o mesmo ídolo até quando o ídolo já se arrebentou. Rendem tributos ao deus da macroeconomia até quando já não sabem mais onde colocar dinheiro. Valorizam as atividades de dominação econômica até serem totalmente dominados por ela. Morrem sem aproveitar o último átimo de vida para gritar por socorro. Morrem avalizando o humanismo que nada pode fazer para lhes impedir a morte. Morrem endossando o sistema pelo qual viveram, lutaram e se perderam.

Eu conheço gente assim. Gente que se declara francamente a favor do mundo e que ainda no leito de morte faz uma declaração de amor para esse sistema de coisas falidas. Essas pessoas me fazem pensar que eu não sou daqui. Minha vida é caracterizada por mudanças. E graças a Deus por isso. O que eu acreditava a 20 anos atrás, não acredito mais. O que eu pensava a quinze anos atrás, não penso mais. O que eu sentia há dez anos atrás, não sinto mais. O que eu fazia há cinco anos atrás, não faço mais. As matérias elegíveis da minha vida mudaram de foco. Graças a Deus por isso. E quanto maior a mudança, maior é o sentimento de que Deus me move e me direciona para cima e para o alto.

Quando Ele me move, eu me movo. E enquanto Ele me mover, serei uma metamorfose ambulante sem aquela velha opinião formada sobre tudo.

Ana Maria Ribas
Fonte: www.anamariaribas.com.br

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