Por: Jack Cottrell
Um dos problemas mais desconcertantes na teologia é como Deus pode manter Sua absoluta soberania enquanto considerando o homem completamente responsável pelo seu pecado. Se Deus é soberano, ele não deve ser a causa última e determinante de tudo, incluindo os assim chamados atos livres dos homens? E se assim for, não devemos então concluir que o homem não é realmente livre e que ele não é responsável por suas ações? Por outro lado, se o homem é realmente livre para escolher entre o bem e o mal, ele não deve então ser a causa última de suas próprias ações? E se assim for, não devemos concluir que Deus é menos do que soberano? Há alguma maneira de solucionar o problema da soberania divina e da responsabilidade humana?
A teologia reformada enfatiza a natureza aparentemente contraditória deste e de outros problemas de doutrina..., não obstante declara que a incapacidade para entender completamente tal antinomia não é razão suficiente para a rejeição de qualquer parte dela. A teologia reformada mantém tanto a absoluta soberania divina quanto a completa responsabilidade humana, apelando para a distinção entre causas imediatas e últimas como a possível solução ou ao menos como um modo antropomórfico de entender a relação entre a soberania e a responsabilidade. O próprio homem é dito ser a causa imediata, enquanto Deus é a causa real e última, dos atos livres dos homens. A escolha última não é atribuída ao homem.
Como a assim chamada teologia arminiana aborda o problema da soberania e responsabilidade? A resposta é que o Arminianismo também defende a soberania de Deus e a completa responsabilidade do homem, embora não no mesmo sentido que o Calvinismo. O homem é dito ser, não simplesmente a causa imediata de seus próprios atos livres, mas a causa última deles. O homem é dito ter completa liberdade da vontade no sentido de ser capaz de escolher tanto o bem quanto o mal.
A doutrina arminiana do livre-arbítrio é, obviamente, fortemente negada pelos calvinistas. É dito que tal noção de livre-arbítrio é uma negação real da absoluta soberania e da responsabilidade por abolir justamente a soberania. Tal doutrina do livre-arbítrio impediria a soberania de Deus, eles afirmam.
Esta é de fato uma acusação grave, e é este mesmo problema que eu proponho lidar neste ensaio. É verdade que a assim chamada doutrina arminiana do livre-arbítrio faz Deus qualquer coisa menos que soberano? Se o homem tem o poder último de escolha entre o bem e o mal, a soberania de Deus é excluída desde o começo? Como a pergunta é feita, não é inteiramente nem mesmo fundamentalmente um problema do que a Bíblia ensina. É mais um problema teórico ou lógico. A idéia da acusação parece ser que o entendimento arminiano do livre-arbítrio logicamente requer uma negação da soberania de Deus. É neste nível, então, que eu proponho discutir o problema: há uma incompatibilidade lógica entre a soberania de Deus e o livre-arbítrio do homem?
A esta altura os termos livre-arbítrio e soberania devem ser mais cuidadosamente definidos. Neste ensaio, livre-arbítrio é entendido como a capacidade de escolher livremente entre o bem e o mal, sendo a escolha, na verdade, determinada pela vontade do homem e não pela vontade de Deus. Por exemplo, quando o convite do evangelho é oferecido, supõe-se que o homem tem a capacidade para aceitá-lo ou rejeitá-lo por um ato de sua própria vontade. O uso do termo soberania neste ensaio pode melhor ser explicado dizendo que ele significa que o decreto de Deus inclui todas as coisas, que o controle de Deus é absoluto e sobre todas as coisas, e que o conhecimento de Deus é completamente independente e inclui todas as coisas. Podemos agora virar nossa atenção para o problema como foi previamente identificado, a doutrina do livre-arbítrio faz Deus qualquer coisa menos do que absolutamente soberano?
I. A ACUSAÇÃO EXPLICADA
Neste momento, uma explicação mais completa da acusação contra o Arminianismo deve ser dada. Sobre o decreto de Deus, é dito que o Arminianismo não permite que “tudo que acontece” acontece de acordo com o conselho de Deus[1]. Dizem que a doutrina arminiana da responsabilidade pressupõe a rejeição da ideia de que o plano de Deus inclui todas as coisas[2].
Sobre o controle de Deus, é dito que o Arminianismo atribui ao homem uma medida de causa última, e assim, por implicação, os arminianos devem crer num Deus que é confrontado com aquilo sobre o qual ele não tem nenhum controle[3]. Dizem que o homem tem poderes próximos ao de Deus em tal doutrina[4]. Dizem que o arminiano assume que os fatos que acontecem como resultado das decisões do homem acontecem independentemente do plano de Deus[5]. Dizem que a ideia de liberdade credita uma medida de independência contra Deus[6].
Sobre o conhecimento de Deus, dizem que a posição arminiana leva à conclusão de que Deus não conhece tudo pois ele não controla tudo. Deus não é capaz de predizer o futuro pois o futuro não está completamente sob seu controle. Há mistério para Deus tanto como para o homem[7]. Deus é, então, cercado de fatos brutos[8]. Há possibilidade acima de Deus e o homem[9]. A certeza do conhecimento de Deus dos eventos futuros é anulada[10]. Dizem que o conhecimento de Deus se torna dependente de uma realidade temporal que Ele não controla completamente. Deus tem que esperar a eleição retornar[11]; Deus tem que esperar as decisões dos homens em muitas questões[12] Eles dizem que a própria onisciência de Deus é negada[13].
Dizem que o Deus dos arminianos, por essa razão, é um Deus finito[14], um Deus que é dependente do homem[15], um Deus que é determinado,[16], um Deus que é limitado pelos fatos da realidade[17], um Deus que está sujeito às mesmas condições que o homem[18]. Em outras palavras, se o livre-arbítrio for atribuído ao homem, então Deus não é mais o Deus soberano da Bíblia. Esta é a acusação feita contra a doutrina arminiana do livre-arbítrio.
Um breve exame do ensino positivo do Calvinismo nestas questões podem ser úteis aqui. As declarações particulares citadas são em sua maioria das obras de Cornelius Van til. De acordo com o dr. Van Til, o decreto de Deus significa que todo fato e lei no universo criado é criado e se estende e cumpre o que deve “pela força do” plano ou propósito de Deus. Deus preordena “tudo que acontece"[19]. A vontade de Deus é o poder final e exclusivamente determinante de tudo que vem a acontecer. A natureza de qualquer coisa criada é o que é por causa de um ato de determinação em relação a ela da parte de Deus[20].
Sobre o controle de Deus, o dr. Van Til afirma que tudo, sem restrição, está sob o controle e direção de Deus. A liberdade criada do homem opera em subordinação à e de acordo com a vontade última de Deus. A vontade de Deus é última e controla todas as coisas[21]. Deus é auto-suficiente, por isso tem controle sobre tudo[22]. A vontade do homem não pode frustrar qualquer detalhe do plano de Deus[23]. Sobre o conhecimento de Deus, é dito que, visto que toda a realidade é determinada pela vontade de Deus, por essa razão, Deus conhece todas as coisas. Deus controla tudo, por isso conhece tudo[24]. Está na base de seu próprio decreto a respeito do mundo que Deus conhece o mundo[25]. A presciência de Deus é baseada em sua preordenação[26]. O conhecimento de Deus é de si mesmo e de todas as possibilidades além dele[27]. Deus conhece o universo antes dele existir[28]. Deus conhece o que pode ocorrer[29]. Não há fatos brutos para Deus, nenhuma indeterminação, nenhuma contingência, nenhuma probabilidade. Para Deus há somente realidade absoluta[30]. A onipotência e a onisciência de Deus são, por essa razão, afirmadas sem restrição[31].
II. O DECRETO DE DEUS
A queixa contra a doutrina do livre-arbítrio inclui a acusação de que, de fato, nega que tudo aquilo que acontece está de acordo com o conselho eterno de Deus. Dizem que nega que o decreto ou plano de Deus é todo-abrangente. Esta é uma crítica válida da doutrina do livre-arbítrio? Proponho-me mostrar que não é. Enquanto afirmo o livre-arbítrio, também afirmo, como dr. Van Til, que Deus tem um plano completo para o universo, que todas as coisas acontecem em relação a este plano, e que não há nenhuma indeterminação para Deus[32]. Concordo que nada acontece fora da vontade e do plano de Deus[33]. Como pode tal concepção da soberania absoluta ser defendida junto com a doutrina do livre-arbítrio? Os parágrafos seguintes tentarão mostrar que os dois não são incompatíveis.
O primeiro e mais importante ponto a ser notado aqui é que todo-abrangente não significa necessariamente todo-determinativo. O calvinista diz que o decreto de Deus é todo-abrangente no sentido de ser todo-determinatvo. Isto é, o decreto de Deus determina o que quer que vem a ocorrer. A vontade de Deus é o poder final e exclusivamente determinativo de tudo que acontece[34]. Isto quer dizer que os atos livres do homem já são determinados pela vontade de Deus; a escolha já foi feita por Deus; Deus já determinou toda escolha do homem por seu decreto eterno. A implicação é que, a menos que todo detalhe seja determinado por Deus, o decreto não seria todo-abrangente. É verdade que todo-abrangente poderia significar todo-determinativo. Deus certamente seria soberano na base de um decreto todo-determinativo. Mas o ponto aqui é que todo-abrangente não necessariamente significa todo-determinativo. Todo detalhe pode ser incluído no decreto de Deus sem tudo ser determinado ou efetuado por Deus, e Deus não é menos soberano se o decreto for pensado dessa forma. Deus é ainda absolutamente soberano na base de um decreto todo-abrangente, embora não todo-determinativo.
Todavia, isto não é dizer que nada é determinado por Deus. De fato, nada poderia ser mais determinativo do que o absoluto e soberano ato da criação de Deus. Como o dr. Van Til diz, todo ser criado é o que é por causa do ato determinativo de Deus em relação a ele[35]. Assim sendo, pode ser dito que o homem é o que é por causa do ato determinativo de Deus em relação a ele. Deus determinou a natureza do homem. Deus foi livre para conceder ao homem qualquer natureza que escolhesse. Sua escolha foi livre e soberana. Se o homem tem livre-arbítrio, e eu assim afirmo, é porque Deus soberanamente determinou dessa forma. Em outras palavras, Deus soberana e absolutamente determinou a liberdade do homem, mas não os atos livres do homem, pelo menos no mesmo sentido. A razão de fazer esta classificação será vista mais tarde. O principal a ser notado aqui é que Deus determinou e criou o livre-arbítrio do homem de tal forma que o exercício dessa vontade não é determinada. A liberdade do homem, não seus atos livres, é determinada. Mas ainda, isto é parte do plano de Deus. Esta é a forma que ele o planejou, o criou. Os atos livres do homem estão incluídos no decreto de Deus, mas não são determinados por ele. O decreto de Deus é todo-abrangente, mas não todo-determinativo.
Podemos dizer, então, que os atos livres do homem não são determinados por Deus em nenhum sentido? Isto dificilmente parece ser o caso. Por exemplo, dizer que Deus determinou a liberdade do homem significa que Deus determinou que haverá escolhas livres. Deus é a causa última de toda livre escolha porque ele é o único que soberanamente dotou o homem com liberdade. Nesta base Deus é a causa última dos atos livres no sentido que ele criou a liberdade do que eles originam; todavia o homem é a causa última no sentido que é ele, não Deus, que determina se esta ou aquela escolha particular será sim ou não.
Talvez haja um outro sentido em que Deus determina até as escolhas particulares dos homens enquanto ao mesmo tempo deixando a vontade do homem completa e ultimamente livre. É assim: visto que todo ato livre do homem está incluído no decreto e plano de Deus, embora não ultimamente determinado por Deus, há um sentido definido em que pode ser dito que todos os atos livres são certos. Berkhof usa esta terminologia. Ele declara que Deus determina o que quer que irá acontecer[36], mas faz uma distinção entre as coisas que Deus efetua e as coisas que Deus permite[37]. As últimas, não sendo causadas por Deus no mesmo sentido que as primeiras, são determinadas somente no sentido que elas são tornadas certas[38]. Estes pontos de Berkhof podem ser observados: ao definir a vontade decretativa de Deus, ele diz que é aquela vontade de Deus “pela qual ele projeta ou decreta tudo que virá a acontecer, quer pretenda realizá-lo efetivamente (causativamente), quer permita que venha a ocorrer por meio da livre ação das Suas criaturas racionais”[39]. Berkhof diz que é correto dizer que a vontade de Deus com respeito ao pecado é uma vontade para permitir o pecado e não uma vontade para efetuá-lo, contanto que “deve-se ter em mente que a vontade de Deus de permitir o pecado leva consigo a certeza de que o pecado virá a ocorrer”[40]. Ele segue dizendo que o decreto de Deus diz respeito primeiramente às ações do próprio Deus, mas também abrange as ações de suas criaturas livres. O fato que as últimas estão incluídas no decreto “torna-as absolutamente certas, embora não sejam efetuadas da mesma maneira”. Algumas coisas ele mesmo faz acontecer, mas outras ele meramente inclui em seu decreto e por meio disso as torna certas mas ele próprio não as efetua, como as ações pecaminosas de suas criaturas racionais[41]. Dizer que o decreto é eficaz não significa que Deus determinou fazer acontecer por uma direta aplicação de seu poder todas as coisas que estão incluídas em seu decreto, mas somente que o que ele decretou certamente irá acontecer[42]. “Por Seu decreto, Deus tornou as ações pecaminosas do homem infalivelmente certas de acontecerem, sem decidir efetuá-las agindo imediatamente sobre a vontade finita e nela”[43]. Finalmente, ele diz:
O decreto simplesmente faz de Deus o Autor de seres morais livres, eles próprios os autores do pecado. Deus decreta sustentar a livre agência deles, regular as circunstâncias da sua vida, e permitir que a livre agência seja exercida numa multidão de atos, dos quais alguns são pecaminosos. Por boas e santas razões, Ele dá certeza ao acontecimento desses atos, mas não decreta acionar efetivamente esses maus desejos ou más escolhas no homem. O decreto concernente ao pecado não é um decreto efetivo mas permissivo, ou seja, um decreto para permitir o pecado, em distinção de um decreto para produzir o pecado sendo Deus a sua causa eficiente[44].
Nestas afirmações selecionadas, Berkhof parece estar falando como um arminiano. Obviamente, ele qualificaria sua posição em outros lugares. Como foi observado, ele diz que Deus determina tudo que acontece. Todavia, como as declarações acima mostram, tudo não é determinado no mesmo sentido; e a maneira que ele explica a vontade permissiva de Deus não está distante da concepção arminiana do livre-arbítrio do homem.
Dessa forma pode ser possível que os atos livres do homem sejam determinados no sentido que os decretos os torna certos sem efetuá-los. O fato do decreto ser todo-abrangente torna os atos livres certos neste sentido. Assim, pode ser dito que Deus seja a causa última, o fator determinativo, o agente responsável no sentido que seu decreto inclui todo ato livre do homem de uma maneira que o torna certo. Todavia os atos livres são escolhas do homem, não de Deus.
Temos visto que os atos livres dos homens são determinados por Deus em certos sentidos, todavia o ponto básico é que no sentido ordinário da palavra determinar, que é no sentido de precisa e exatamente efetuar de antemão, Deus não determinou os atos livres do homem. Ef 1.11 é geralmente citado em defesa da alegação de que Deus determinou tudo que acontece: “[Deus] faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”. Mas isto não necessariamente significa que Deus determinou todas as coisas segundo o conselho da sua vontade no sentido que acabou de ser descrito. Pode legitimamente ser interpretado como significando que tudo que acontece, acontece do modo que Deus planejou. Se o homem tem livre-arbítrio, este é o modo que Deus planejou. Os atos livres do homem estão dentro do conselho de Deus; este é o próprio decreto, que o homem devesse ter o poder de livre escolha. O decreto de Deus pode assim ser todo-abrangente sem ser todo-determinativo. Isto significa que Deus é menos do que soberano? A iniciativa foi tirada das mãos de Deus? Deus é limitado, determinado, finito, dependente? Nem um pouco. A liberdade de Deus para decretar o que quer que lhe agrada é prova de sua absoluta soberania. Se o decreto inclui o livre-arbítrio do homem, ou até uma auto-limitação para Deus mesmo, Deus ainda é soberano, pois ele é livre para decretar o que lhe apraz. Deus é livre para determinar a vontade do homem se assim escolher, mas se ele decreta suspender seu poder determinativo com respeito aos atos livres dos homens, é porque ele soberanamente escolheu assim fazer. Deus é absolutamente soberano em tudo que faz.
Contrários à acusação feita contra a posição arminiana, então, podemos afirmar que todos as coisas acontecem de acordo com o conselho de Deus, embora não afirmamos que todos as coisas são exclusivamente determinadas por Deus. Ainda, nada é independente do plano de Deus. Nem a liberdade do homem nem os atos livres resultantes são independentes de Deus, pois este é o próprio estado das coisas que Deus decretou.
III. O CONTROLE DE DEUS
Temos afirmado que a vontade do homem é livre, e que esta própria liberdade é parte do decreto soberano, todo-abrangente de Deus. O próximo ponto a ser considerado é o controle de Deus sobre sua criação. A afirmação é feita contra o Arminianismo que, se tal liberdade última for atribuída à mente humana, então aqui está algo que Deus não controla. O controle de Deus é incompleto; a vontade do homem assume uma posição de autonomia e independência contra Deus, e Deus é impotente diante dela.
A questão que o arminiano enfrenta, então, é esta: como Deus pode ter controle sobre uma criatura que tem livre-arbítrio se o próprio Deus, na verdade, não determina as escolhas feitas por essa vontade? E se Deus não tem controle absoluto, como ele pode ser soberano? Estas questões podem ser respondidas por uma cuidadosa consideração de dois pontos separados, a criação absoluta e o soberano decreto da auto-limitação.
O primeiro e mais importante ponto é que Deus é o criador absoluto de todas as coisas sem exceção. O homem é uma criatura, e sua liberdade é criada. Como parte da criação de Deus, o homem está sob o controle absoluto de Deus. Deus não criou um Frankenstein. O retrato calvinista de um homem com livre-arbítrio conforme expressa o arminiano é um tanto exagerado; é usualmente uma caricatura grotesca. Como foi mencionado anteriormente, dizem que tal ser com livre-arbítrio tem poderes originais próximos dos de Deus, tem poderes últimos mutuamente dependentes de Deus, tem autonomia contra Deus, é auto-suficiente assim como Deus é auto-suficiente, e é independente do controle de Deus. Mas estas coisas seriam verdadeiras somente se o homem não fosse um ser criado. Nada pode ser mutuamente dependente de Deus exceto aquilo que não é criado por Deus. O homem é auto-suficiente e independente de Deus? Somente se fosse incriado, o que ele não é. O homem tem autonomia contra o plano de Deus? Somente se fosse incriado, o que ele não é. A autonomia do homem é uma autonomia criada que tem seu lugar dentro do plano de Deus, não contra ele. A medida de causa última na vontade do homem faz o homem mutuamente dependente de Deus? Somente se o homem fosse incriado, o que ele não é. Deus o criador ainda é Senhor de sua criação.
Deus controla todas as coisas, então, no sentido que ele é o criador e sustentador de tudo. Mas e quanto à vontade do homem? Como pode ser dito que Deus a controla se ele não determina suas escolhas? A resposta é que Deus não controla a vontade no sentido de determinar quais escolhas a vontade fará. Deus controla as circunstâncias externas de um homem pela sua divina providência e trabalha dentro do coração através do Espírito Santo, mas não ao ponto de deixar o homem sem escolha. Deus trabalha até ao ponto de abrir e endurecer o coração, todavia sem inclinar a própria vontade para um ou outro lado e sempre dentro do campo de Seu pré-conhecimento. Deus controla a própria vida de um homem, de modo que ele pode impedir qualquer curso de ação que um homem escolhe, alterando as circunstâncias externas ou até matando-o. Este último pensamento, que Deus pode matar um homem como meio de exercer controle sobre ele, sugere o fato que o controle de Deus sobre a vontade é freqüentemente um controle negativo. Deus pode impedir que o homem faça certas escolhas privando-o de sua vida antes que ele seja confrontado com a necessidade de escolher. Mas Deus não controla a vontade do homem no sentido que ele força todas as escolhas a serem feitas. Ele pode impedir certas escolhas, mas Ele não faz escolhas particulares para os indivíduos. Por exemplo, Deus pode, por vários meios, impedir que um jovem homem escolha entrar em um seminário, mas Ele não força ativamente um homem a entrar em um seminário. Ele pode exercer influência através do Espírito Santo, através da providência, através de uma abertura real do coração de um homem; mas a vontade ainda está em poder do homem.
Tenho afirmado que Deus tem controle absoluto sobre todas as coisas porque ele criou todas as coisas. Neste sentido Deus tem controle sobre a situação total. Por outro lado, tenho dito que há um sentido em que Deus não controla a vontade do homem, isto é, em um sentido determinativo. O quadro é, até certo ponto, como um homem segurando um balde com um inseto dentro dele. O inseto é livre para se mover onde escolher dentro do balde, mas o homem tem completo controle do balde.
Alguém dirá ainda que Deus fica limitado por tal combinação. Se a vontade é livre, Deus não é confrontado com aquilo que ele não pode controlar? A resposta é não; ele é confrontado com aquilo que ele não quer controlar. Há uma tremenda diferença entre “não pode” e “não quer". E ao dizer que Deus não determina a vontade do homem, chegamos ao segundo ponto nesta seção, a noção do decreto soberano de Deus da auto-limitação. A idéia de auto-limitação significa que Deus criou o homem com a capacidade para fazer suas próprias escolhas e soberanamente decretou suspender seu próprio controle no reino da vontade do homem. Se Deus é limitado, é somente pelo ato soberano de uma auto-limitação, uma suspensão auto-imposta de seu controle neste ponto específico. O homem não limita Deus; Deus se limita. A auto-limitação é, ela mesma, uma escolha soberana e livre da parte de Deus; ele não foi forçado de forma alguma a limitar seu controle. O fato que ele livremente escolheu limitar-se mostra que ele é soberano, que ele tem controle sobre toda a situação. Desse modo, não é que Deus não pode controlar a vontade do homem; neste caso Deus não seria soberano. Antes, é o caso que Deus livremente escolhe não controlar a vontade do homem, e assim mantém sua soberania absoluta. Deve também ser lembrado que esta soberana suspensão auto-imposta um dia será abandonada quando Deus se sentar como o juiz soberano sobre tudo.
O que foi dito aqui significa isto, que a medida da soberania de Deus não é o que Deus decretou ou o que Deus criou, mas a absoluta liberdade de Deus para decretar e criar o que ele deseja. Deus criou o homem com livre-arbítrio pois se agradou em assim fazer; Deus limitou seu controle sobre esta vontade livre pois se agradou em assim fazer. Neste caso ou em qualquer outro caso Deus não é menos do que absolutamente soberano.
IV. O CONHECIMENTO DE DEUS
O ponto final a ser considerado neste ensaio é a relação do livre-arbítrio com o conhecimento de Deus. A acusação é que a doutrina do livre-arbítrio necessariamente significa que há indeterminação, contingência, possibilidade, acaso, mistério, fato bruto, ou surpresa para Deus. Dizem que o conhecimento de Deus se torna dependente do homem; e se Deus é dependente do homem em qualquer sentido, ele não pode ser soberano.
Esta questão pode ser apresentada imediatamente, então: o livre-arbítrio faz o conhecimento de Deus dependente do homem? O calvinista responde que sim. A razão é que o calvinista faz o conhecimento de Deus dependente de seu decreto ou determinação de todas as coisas. O dr. Van Til diz que toda realidade é exaustivamente determinada pela vontade de Deus e “por essa razão exaustivamente conhecida pela mente de Deus”[45]. Ele enfatiza a ideia
que “Deus controla e por isso conhece todas as coisas”[46]. Novamente, “é na base de seu próprio decreto com respeito ao mundo que Deus tem completo
conhecimento do mundo”[47]. Berkhof diz que o problema do conhecimento de Deus é resolvido pela consideração que Deus decretou todas as coisas junto com suas causas e condições na exata ordem em que elas acontecem; assim o conhecimento de Deus das coisas futuras e dos eventos contingentes repousa em seu decreto[48]. O conhecimento de Deus é “baseado em Sua determinação”[49]. Visto que tornam o pré-conhecimento dependente da preordenação de Deus, não é de se admirar que o calvinista diz que, se Deus não determinar a vontade, então ele não pode saber o que a vontade do homem escolherá até que a escolha seja feita. Berkhof diz, “Podemos entender como Deus pode ter conhecimento prévio onde a necessidade domina, mas achamos difícil conceber um conhecimento prévio de ações que o homem origina livremente”[50]. Ele diz que “ao que parece, é impossível conhecer antecipadamente eventos que dependem por completo da decisão causal de uma vontade alheia a princípios que podem em qualquer ocasião, independentemente do estado de espírito, das condições existentes, e dos motivos que se apresentam à mente, seguir diferentes direções. Eventos dessa natureza só podem ser conhecidos previamente como puras possibilidades”[51]. Este exagero grosseiro, junto com outras declarações citadas acima, são suficientes para mostrar que, para o calvinista, a preordenação de Deus não é somente uma causa suficiente mas também necessária do pré-conhecimento de Deus.
Duas coisas podem ser ditas em resposta. Em primeiro lugar, se o conhecimento de Deus é baseado em seu decreto, então, sobre a posição tomada neste ensaio, o conhecimento de Deus ainda é completo pois se assume que o decreto é todo-abrangente. Obviamente o calvinista insistiria que o decreto deve ser um decreto no sentido de preordenação antes que Deus pudesse conhecer os resultados. Um decreto que é apenas todo-abrangente não é suficiente. Afirmo, entretanto, que é suficiente. Em segundo lugar, até se o conhecimento de Deus de todas as coisas não fosse baseado em seu decreto determinativo, Deus ainda conheceria todas as coisas simplesmente porque ele é onisciente. Por sugerir que Deus não poderia conhecer a menos que determinasse, é o calvinista que está limitando o conhecimento de Deus, não o arminiano. Tal concepção da onisciência é modelado segundo os poderes de conhecer do homem. O poder que Deus tem de conhecer, entretanto, é ilimitado. Sua onisciência inclui o poder de prever até os atos livres dos homens.
Nem é este conhecimento dependente do homem de qualquer forma. A fim de ser chamado dependente, o conhecimento teria que ser, verdadeiramente, conhecimento post-eventum. Mas ele não é. Deus conhece os atos livres dos homens mesmo antes do mundo ter sido criado, enquanto o universo existia somente como uma ideia ou plano na mente de Deus. Como alguém, então, pode dizer que o conhecimento de Deus depende de qualquer coisa, se ele está completo em sua própria mente antes de qualquer coisa existir? O conhecimento de Deus é, então, completamente independente e absolutamente todo-abrangente. O livre-arbítrio do homem não altera isto nem um pouco. Deus ainda não é menos do que absolutamente soberano.
CONCLUSÃO
A questão sob consideração neste ensaio foi se a doutrina do livre-arbítrio torna Deus menos do que absolutamente soberano. Contra a acusação calvinista de que ela O torna. Busquei mostrar que não. O fato de que o decreto de Deus é todo-abrangente, incluindo tanto a liberdade do homem como seus atos livres, é suficiente para manter a soberania de Deus com respeito ao seu decreto. O fato que o controle de Deus é absoluto no sentido que ele é o criador de tudo, e que a limitação com respeito à vontade do homem é auto-imposta, também mostra que Deus é soberano. Que o conhecimento de Deus dos atos livres do homem é tanto completo quanto independente também significa que Deus é soberano.
O propósito deste ensaio foi provar que o homem tem livre-arbítrio e que Deus é soberano. O propósito foi mostrar que o livre-arbítrio e a soberania não são incompatíveis, como os críticos da doutrina do livre-arbítrio parecem sugerir. Muito esforço tem sido feito para mostrar que o livre-arbítrio, a priori, não impede a absoluta soberania de Deus. Tal discussão é necessariamente limitada, e as conclusões alcançadas não são, de forma alguma, a palavra final. A última resposta deve vir da revelação das Escrituras. Somente lá podemos aprender se o homem na verdade tem livre-arbítrio, e se Deus na verdade é o Senhor Soberano.
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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
A Soberania de Deus e o Livre-arbítrio
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